Requerimento V.G.M. à CPEES

Petição em Defesa da Língua Portuguesa

Exmo. Senhor
Deputado Luís Marques Guedes
M. I. Presidente da
Comissão de Ética, Sociedade e Cultura da
Assembleia da República
Lisboa

Em resposta ao ofício de V. Exa. nº 210/12ª/CESC/2008, tenho a honra de esclarecer o seguinte:

1. A petição Em defesa da língua portuguesa, de que sou primeiro subscritor e conta, neste momento, perto de 50.000 assinaturas, foi elaborada e apresentada à Assembleia da República para defesa da Constituição, do interesse geral e dos direitos do peticionários enquanto cidadãos portugueses (Constituição, artº 52, 1).

2. Sendo a língua portuguesa um bem imaterial constitucionalmente protegido, quer no seu papel identitário, quer no que toca ao património cultural do nosso país (artºs 9º, e) e f) e 78º, c) e d) da Constituição), entendem os peticionários que o chamado Acordo Ortográfico virá a causar-lhe lesões profundas de vária ordem, afectando-a de maneira decisiva, irreversível e inaceitável em Portugal, com a consequente violação da lei fundamental, do interesse geral e dos seus direitos enquanto cidadãos.

3. Mantém assim plena actualidade tudo quanto os peticionários tiveram ensejo de exprimir na sua petição e neste ensejo se reitera em resposta à primeira questão de V. Exa..

4. Essa actualidade é amplamente documentada nos vários pareceres especializados e formulados com intervenção de conceituados linguistas da Universidade portuguesa de que oportunamente foi feita entrega à Assembleia da República, entendimento que é muito expressivamente corroborado por três novos pareceres, estes inéditos, que tenho a honra de remeter a V. Exa. em anexo, pedindo desde já a sua divulgação aos ilustres membros da Comissão a que preside.

5. Ocorre portanto um patente e chocante desfasamento entre o plano científico, cujas críticas e objecções não foram atendidas com posições devidamente fundamentadas por parte das autoridades competentes, e o plano político em que foram tomadas, tanto a decisão de aprovação da proposta do Governo quanto ao Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico de 2004, como as de aprovação e ratificação em 1991 do próprio Acordo, o qual, aliás, decorridos 18 anos (!!!), nunca entrou em vigor por razões de inadequação, desinteresse manifesto de vários dos Estados subscritores e, entretanto, de obsolescência.

6. A tal ponto que mesmo o ilustre linguista brasileiro Evanildo Bechara, que tem tomado posição (confessadamente política) em favor do Acordo Ortográfico, acaba de afirmar, em sessão que teve lugar nos Açores em Maio do ano corrente:
“Só num ponto concordamos, em parte, com os termos do Manifesto-Petição quando declara que o Acordo não tem condições para servir de base a uma proposta normativa, contendo imprecisões, erros e ambigüidades”.

7. Se o Acordo “não tem condições para servir de base a uma proposta normativa, contendo imprecisões, erros e ambiguidades” que, acrescentemos, diferentemente do que pode acontecer no Brasil, afectam profundamente o português falado em Portugal (e em África, na Ásia e na Oceania), é absolutamente evidente que se mantêm a plena actualidade e a urgência da nossa petição!

8. Complementarmente, entendem os signatários ser imperiosa a necessidade de se atender a que nenhum Acordo Ortográfico pode entrar em vigor na ordem interna sem estar regularmente ratificado por todos os países que subscreveram o Protocolo Modificativo de 2004, sob pena de, por um lado, se violar o nº 2 do artº 8º da Constituição, e de, por outro, se cavar um fosso ortográfico em relação aos países que ainda não ratificaram nem o Acordo, nem esse Protocolo, pedindo-se igualmente à Assembleia da República providencie no sentido julgado mais adequado para prevenir esta situação que, a verificar-se, contrariaria de pleno os próprios objectivos de “unidade ortográfica” ali proclamados. Ora 9. Não é lícito a nenhuma autoridade pública praticar actos que conduzam ao absurdo em relação aos propósitos que pretende alcançar,

10. E sendo assim, esta é também uma razão de persistência da actualidade da petição:

11. Com efeito, o Governo manifestou na sua proposta de aprovação do Protocolo Modificativo de 2004 a intenção de começar já a tomar medidas para que o Acordo entre em vigor no prazo de seis anos.

Passando a responder à segunda questão de V. Exa., cumpre-me esclarecer o objecto da petição:

12. Entendem os peticionários que o Acordo Ortográfico enferma de vícios susceptíveis de gerarem a sua patente inconstitucionalidade por violação dos artigos da Constituição acima citados, questão que sobreleva à do cumprimento de quaisquer obrigações assumidas internacionalmente pelo Estado português.

13. Por outro lado, e sem prescindir, a petição tem o objecto de pedir à Assembleia da República que tome, adopte ou proponha (Lei nº 43/90, de 10 de Agosto, artº 2º) as medidas julgadas necessárias para que sejam alcançados os seguintes resultados:

14. No plano substantivo, a) correcção das inúmeras imprecisões, erros e ambiguidades do texto actual;
b) eliminação das facultatividades, ou grafias facultativas, nele previstas ou por ele tornadas possíveis, nos domínios do H inicial (Base II), das consoantes mudas (Base IV), da acentuação (Bases VIII-XI) e das maiúsculas e minúsculas (Base XIX);
c) reposição da questão das consoantes mudas (Base IV) nos precisos termos do Acordo de 1945;
d) explicitação de regras claras para a integração na ortografia portuguesa de palavras de outras línguas dos PALOP, de Timor e de outras zonas do mundo em que se fala português, dado que o texto do Acordo de 1990 é omisso nesta matéria;
e) elaboração dos vocabulários ortográficos a que se refere o Art.º 2.º do Acordo de 1990 (por instituições idóneas e com base em debate científico sustentado), e nos termos do mesmo, uma vez que são conditiones sine quibus non para a entrada em vigor de qualquer convenção desta natureza;
f) realização de estudos sobre o impacto real das vinte e uma bases do Acordo de 1990 no vocabulário do português europeu tendo em conta a frequência dos vocábulos, a existência de vocabulários de especialidade e acautelando a necessidade imperiosa da normalização terminológica;
g) elaboração de estudos e pareceres sérios sobre as consequências no médio e no longo prazo da entrada em vigor do Acordo Ortográfico nos vários sectores afectados nas sociedades que seguem a norma ortográfica euro-afro-asiático-oceânica;
h) posição clara do Ministério da Educação sobre esta matéria (baseada em pareceres técnicos de entidades idóneas), que afectará nas próximas décadas o ensino da língua portuguesa, e, por decorrência, de todas as outras disciplinas;
i) revisão e renegociação do Acordo Ortográfico em face do teor das alíneas que antecedem e portanto:
j) imediata suspensão da sua aplicabilidade, independentemente da ratificação ocorrida em 1991 e da eventual ratificação do Protocolo Modificativo de 2004.

Julgando ter dado satisfação ao solicitado por V. Exa., requeiro, em nome dos peticionários, sejam realizadas, nos termos legais, e relativamente à matéria da referida petição, quer a audição em Comissão Parlamentar, quer a discussão em sessão plenária.

Resta-me pedir-lhe seja dado cumprimento ao disposto na alínea a) do nº 1 do art.º 21 da Lei nº 43/90 com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 45/2007, de 24 de Agosto, promovendo-se a publicação integral no Diário da República da petição Em defesa da língua portuguesa, complementada com o teor do presente esclarecimento na parte em que precisa o seu objecto (nºs 12, 13 e 14 e respectivas alíneas da presente carta), uma vez que o número de cidadãos que a assinaram excede largamente o mínimo de 1.000 ali estabelecido.


Apresento a V. Exa. os meus melhores cumprimentos.

Lisboa, 9 de Junho de 2008

Vasco Graça Moura,
primeiro subscritor da petição Em defesa da língua portuguesa

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